Expedição OMUNGA: Novos territórios para novos projetos #04! 1ª vez em Uiramutã!

Continuar a Expedição OMUNGA, rumo às 10 cidades mais vulneráveis do Brasil, colocou Uiramutã/RR no meu roteiro.

Depois de usar tantos transportes fluviais para chegar em Chaves e Melgaço no interior do Pará, foi bom variar um pouco e  usar aviões e ônibus para chegar ao extremo norte do Brasil, interior de Roraima, na divisa do Brasil com Guiana e Venezuela.

Curiosamente, outra tríplice fronteira, assim como Atalaia do Norte, cidade atendida pelo Projeto OMUNGA na Amazônia, que faz fronteira com Peru e Colômbia.  

Localização de Uiramutã/ RR no mapa do Brasil.

Conhecer rapidamente a cidade de Boa Vista, capital de Roraima, já foi motivador. A cidade é muito limpa, ao menos por onde passei. Também fiquei impressionado com o Complexo Poliesportivo Ayrton Senna da Silva. Só o nome do lugar já motiva muito. Um espaço que atravessa parte da cidade e oferece quadras de vôlei, basquete, bicicross, tênis, espaços sensoriais, praças gastronômicas, longas vias para caminhadas. Enfim, que exemplo para todo Brasil.

Dormir num hotel mais “bacaninha” ou relativamente mais confortável, ajudou no preparo para um deslocamento de 8 horas de ônibus entre a capital e a cidade de Uiramutã.

Antes das 6 horas da manhã eu estava na rodoviária, um pouco surpreso com o número de pessoas e com bagagens até no corredor, incluindo carga “viva”. Mas… bora lá!

Um ônibus “pinga-pinga” raiz que me fez lembrar meus deslocamentos de ônibus em Moçambique. Quando o ônibus parava lá, era comum todo mundo descer para conferir bagagens, ir ao banheiro, tomar água e “se esticar”. Um alvoroço! Caramba! Percebi que seria uma longa viagem, mesmo considerando que a distância era de apenas 315km.

Ônibus que segue, ônibus que para, gente que sobe, gente que desce, muitas pessoas com traços dos povos originários, estrada de asfalto, estrada de terra, pontos para refeições expondo carne seca para tudo que é lado, onde inevitavelmente pensei: “Será que eu encaro?”. SIM! Mergulhei no contexto da coisa e fiz todas as refeições onde eles paravam e comia de tudo. Mesmo salada e outros itens “crus”.

O trajeto é lindo, o relevo, a vegetação rasteira, e a temperatura em muitos momentos lembram o sertão.

Cheguei cansado, mas como tudo era novidade eu estava numa vibe de aventureiro, tirei de letra e lá estava eu em Uiramutã. Cidade LINDA.

Parecia mais uma pequena vila, bem organizada, limpa, uma praça bem no meio da cidade com parque infantil e quadra de esporte, o que era um bom sinal. Pois, é comum eu visitar cidades onde nem um “escorregador” existe lá ainda. E o melhor de tudo, a Secretaria Municipal de Educação ficava bem na frente da Pousada que também era humilde, mas atendia muito bem. Inclusive, com ventilador e banheiro exclusivo.

Em cidades pequenas, quando chega um “forasteiro”, é super comum o visitante virar assunto. Ao pedir um quarto ao querido e simpático Senhor Santilli, dono de uma das poucas pousadas que existia lá, ele me perguntou a queima roupa: O Senhor veio fazer o que aqui na cidade?

Respondi sem rodeios e foi rápido o assunto chegar na prefeitura.

Vale lembrar que semanas atrás ocorreram as eleições municipais e embora ainda não fosse possível saber quem seria a(o) nova(o) secretária(o) de educação, o atual, pediu para falar comigo se responsabilizando em repassar o assunto ao próximo.

Importante lembrar que naquela altura não havia nenhuma definição se Uiramutã seria uma das cidades atendidas pela OMUNGA, minha intenção era apenas conhecer cidades para posterior análise, junto com o time da OMUNGA.

A conversa com o senhor Joeverson Sales, Secretário de Educação Municipal e Giovany Sacramento Técnico em Planejamento, Inspeção e Orientação Educacional, foi muito boa e criou uma percepção altamente positiva. Todo diálogo deixou claro que o benefício de um possível projeto da OMUNGA na cidade era muito maior que diferenças políticas. Um bom sinal!

Roberto Pascoal com Joeverson Sales, Secretário de Educação Municipal e Giovany Sacramento Técnico em Planejamento.

O Secretário me falou sobre as três etnias presentes no município (Macuxi, Patamona e Ingarikós), e que 90% da população de Uiramutã é composta pelos povos originários e ainda me indicou professores e outras pessoas da comunidade para diálogos. Ele também me motivou a ir atrás do futuro prefeito numa das comunidades indígenas para adiantar o assunto, pois neste ano, ele não voltaria mais para cidade.

Tive a oportunidade de conhecer o Jedeão Macuxi, um artista plástico da etnia Macuxi que já representou sua cidade em eventos na Alemanha, por conta de suas artes gráficas. Também conheci a comunidade Willimon da mesma etnia, onde contemplei sua estrutura social, experimentei o caxiri (uma espécie de suco de mandioca cozida com batata roxa e meio fermentada), conheci as atividades agrícolas, conversei longamente com o tuxaua (um líder comunitário ou ancião) e fui convidado pelo Professor José Valdo a acessar o rio sagrado, para o qual, tive que participar de um ritual no qual pingaram um óleo de pimenta para lá de ardido em meus olhos.

Segundo eles, a pimenta espanta tudo o que há de ruim como espíritos maus, animais peçonhentos, animais podem se alimentar da carne humana e energias negativas. Uma forma de limpar o corpo e a alma para eu estar mais puro, antes de entrar no rio sagrado.

E por falar naquilo que pode ser sagrado, antes de sair da comunidade Willimon, fui conhecer as meninas que produzem travessas, panelas, vasos de barro. Um trabalho especialmente minucioso e significativo para esta comunidade. Pois, a argila em questão é retirada de um espaço considerado sagrado.

Antes de manusear a argila, as meninas tomam banho, não podem estar menstruadas, não podiam ter tido relações sexuais recentemente e ainda, antes de retirar a argila da terra, elas fazem uma oração em respeito àquele santuário.

Tudo ia perfeitamente bem até que eu, fascinado, e, ao mesmo tempo, empolgado por ouvir aquelas histórias com tanto fascínio, fui pegar um vaso que se desfez inteiramente nas minhas mãos, pois ainda estava “cru”. Todos me olharam. Uns rindo, outros incrédulos ou se perguntando: Será que ele pagará pelo vaso?

Claro que paguei e mesmo assim, virei motivo de piada.

Ainda, por articulação do Secretário de Educação da época e outros professores, tive a oportunidade de participar como ouvinte em algumas rodas de conversas com professores na Escola Municipal Antônia Rodrigues da Silva que fica na sede da cidade e com coordenadores de educação como a Professora Luciane Belchior .

Por fim,  o ponto mais marcante desta viagem foi ir atrás do prefeito eleito, mas ainda não empossado na Comunidade São Luis. Pois, eu não queria sair da cidade sem conversar com ele e ir até tal comunidade era o único caminho.

Não consegui um carro para me levar, pois lá, não existe serviço de táxi.

Depois de muita conversa, consegui alguém para me levar de moto. Seriam 2,5 horas para ir e 2,5 horas para voltar.

Saímos pela manhã e a aventura estava bacana. Seguimos por atalhos fora da estrada com mato baixo, atravessamos rios, hora parecia um campo, hora parecia lugar nenhum. Eu ficava mais tranquilo quando aparecia uma estrada. 

Em determinado ponto, o “motoboy” me fez entrar num barco para atravessar um rio para chegar na Comunidade São Luiz com um monte de gente que eu não conhecia. E lá estava eu novamente, sozinho, sem sinal de telefone ou internet, numa comunidade que não me conhecia, onde eu não tinha sido convidado e sem saber se eles entenderiam minha forma de comunicação.

Com todas as orações possíveis e toda humildade a qual eu poderia nutrir, avancei perguntando pelo Tuxaua Benísio e foram me indicando sem sorrisos ou entusiasmo, com olhares profundamente desconfiados: O que este kariwa (homem branco sem etnia) faz aqui?

Chegando numa maloca (o que eu chamava de oca na escola), percebi muitos homens conversando na língua materna e fiquei ouvindo atentamente, sem entender nada. As expressões eram sérias, eles estavam concentrados. Até que alguém me apontou com o dedo e falou de forma direta (para não dizer rispida), algo que entendi como “fale logo”.

Aquilo foi mais complexo do que apresentar a OMUNGA ao vice-presidente da AMBEV, durante o programa VOA, mas comecei a falar. Não lembro o que falei, mas lembro que eu não sabia qual deles seria o futuro prefeito. 

Roberto Pascoal ao centro de mãos dadas com o prefeito.

Durante a minha fala, nenhuma expressão e poucos movimentos. E eu sentia um ar de julgamento ao qual eu não sabia o veredito até que alguém começou a falar na língua materna e um sorriso apareceu no rosto de um deles e pensei: “Por favor, que seja o futuro prefeito.”

E era! Primeiro, ele me ofereceu um pouco de caxiri e ali, já me senti acolhido e “pertencente”. Quase um deles! Na sequência, ele fez um breve discurso sobre as coisas boas que vinham acontecendo, sua vitória nas eleições municipais, o fato de ser um dos poucos, se não o único, prefeito indígena do Brasil e que sem ter sido empossado, já surgia um caminho que poderia ser bom para Uiramutã: uma possível parceria com a OMUNGA.

Ficamos de retomar o contato, após a posse dele e da nomeação da Secretária de Educação.

Nos abraçamos, tiramos fotos e iniciei o retorno que só não foi perfeito pelo fato do “motoboy”  não ter uma câmara de pneu reserva. O pneu furou, tivemos que andar durante horas e muitos quilômetros empurrando a moto até chegar numa casa onde um senhor desmontou sua moto para nos emprestar algumas peças e a câmara e voltar para Uiramutã. Outro bom sinal!

Com tudo isso, nosso retorno levou em torno de 07 horas. Cheguei na cidade às 02 horas da madrugada e meu ônibus sairia às 06 da manhã, rumo a Boa Vista. Foi por pouco! 

Naqueles dias eu vivenciei tudo o que eu precisava para desejar realizar um novo projeto: Acolhimento, abertura ao novo, disposição à troca de saberes e ao poder de escuta, percepção de valor aos propósitos da OMUNGA e espírito colaborativo. E ainda por cima, numa cidade com riquezas culturais presentes no cotidiano, com um potencial inquestionável e num território considerado como altamente vulnerável (não por mim). Além de ser uma cidade distante onde poucas ou nenhuma organização social atua e que ainda não tinha uma biblioteca.

Certamente, eu teria que conversar muito com a Cristiane Perin, nossa Gestora de Projetos e Governança e com a Ana Carlota, nossa Coordenadora Pedagógica. Mas no fundo, eu já sentia que o próximo projeto da OMUNGA seria aos pés do Monte Roraima.

Será mesmo?

Muito obrigado por visitarem o blog da OMUNGA e acompanharem este relato.

Ficarei grato com sua vibração positiva para que se transforme num novo projeto!

Com carinho, 

Roberto Pascoal 

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