Conheça o cenário da cultura da doação no Brasil
O povo brasileiro é visto como acolhedor, hospitaleiro e solidário. Com este perfil seria previsível que a cultura da doação já estivesse enraizada na sociedade civil brasileira, mas, na prática, a realidade é bem diferente. A pesquisa do Instituto para Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), em 2020, sobre o cenário das doações nos últimos anos no Brasil, denota o perfil solidário do brasileiro.
Das mil pessoas ouvidas pelo instituto, por exemplo, 78% relataram ter praticado pelo menos uma atividade beneficente nos 12 meses anteriores, seja doando bens, tempo ou dinheiro. No entanto, as doações geralmente são pontuais e, principalmente, para causas que abrangem pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social.
Além do perfil doador, o relatório também demonstra que a forma favorita de engajamento no país é com dinheiro vivo, sendo que o valor médio anual de investimento social é de R$ 617, por pessoa.
As ações solidárias mais frequentes são: apoio financeiro a igrejas ou organizações religiosas; seguida de doações diretas para as pessoas necessitadas e, em terceiro lugar, as doações em dinheiro para organizações sem fins lucrativos. Mas se a população brasileira possui senso de solidariedade e humanidade, porque a cultura da doação ainda não está consolidada no país?
Porque a cultura da doação precisa evoluir no Brasil
A relevância do trabalho das ONGs brasileiras está, principalmente, na vocação de apoiar demandas que nem sempre são atendidas em plenitude pelo Poder Público, como saúde e educação, por exemplo. É por meio dessas pautas esquecidas que as organizações geram impacto positivo na sociedade civil, mudam realidades e promovem mais justiça social.
Para se ter ideia do alcance das ONGs, oito em cada dez brasileiros afirmaram durante a pesquisa que percebem o quanto as organizações sociais vêm impactando positivamente a sociedade. Os entrevistados também disseram que isso inclui os serviços que o governo não oferece atualmente, como programas de incentivo esportivo e educacional.
A consolidação de uma cultura de doação no país é importante porque potencializa este impacto e ajuda a constrói um futuro melhor para todos. Isso porque mantém o crescimento sustentável das entidades para que viabilizem demandas onde o poder público tem dificuldades em atender.
Brasileiro doa, mas geralmente sem vínculos com uma causa
Se o povo brasileiro é solidário porque ainda não conseguimos atingir um ciclo onde as pessoas consigam unir a doação e causa, alinhados aos seus objetivos de vida?
A resposta pode estar relacionada a fatores como a corrupção e a falta de transparência no terceiro setor, temas que abordaremos mais adiante. Outro ponto tem relação com a forma como as pessoas se sensibilizam no país, o que dificulta esta união entre doação e causa.
A pesquisa do Idis mostra que a principal forma de mobilizar os brasileiros a doarem é mostrando o sofrimento do próximo. É por isso que campanhas com maior apelo emocional, que contenham vídeos ou imagens de pessoas em extrema vulnerabilidade social, por exemplo, são as que mais impactam e geram engajamento no Brasil.
Geralmente, a solidariedade emerge para tentar aliviar este sofrimento. A pessoa se sensibiliza e doa. Depois, o sentimento de caridade, ou de culpa, com a situação do próximo se atenua pouco a pouco, sem gerar ciclos. Apesar de importante para sensibilizar, esta forma de engajamento não cria vínculos entre o doador e a causa.
No entanto, a motivação e o amor pela causa são o que fazem as pessoas quererem ajudar cada vez mais e de maneira recorrente. Sem isto, a cultura de doação não se consolida e enfraquece entre os brasileiros.
Falta de transparência e corrupção também influenciam no ciclo
Como citamos anteriormente, a falta de transparência também influencia na consolidação da cultura da doação.
Os brasileiros doariam mais se soubessem o que é feito com o dinheiro cedido às organizações, segundo a pesquisa do Idis. Portanto, o papel das ONGs vai além de somente captar recursos. É preciso divulgar melhor o que fazem com os recursos recebidos e também todos os resultados alcançados.
Outro motivo que atrapalha a confiança do brasileiro para que se torne um doador recorrente, é a corrupção que enfrentamos há anos. Os escândalos com o desvio de recursos públicos, como, por exemplo, da operação lava-jato, deixam a população em desconfiança e diminuem a credibilidade das instituições em geral.
Essa conclusão é reforçada pelos dados consolidados no 20º relatório Trust Barometer, ou “Barômetro de confiança”, na tradução livre. O documento revela que, em 2017, houve uma grande crise de confiança entre os brasileiros, principalmente com relação ao poder público e ao trabalho das instituições sem fins lucrativos. Um dos motores para a crise foi a corrupção.
A boa notícia é que caminhamos para um momento reverso, onde a confiança nas instituições está crescendo aos poucos. De 2017 para cá, o brasileiro saiu da estatística de desconfiança e entrou no ponto de neutralidade, em relação a confiança nas organizações sem fins lucrativos. Além disso, constatou-se que fatores relacionados à ética, como integridade, propósito e confiabilidade, geram 76% do nível confiança em ONGs e empresas.
Confira no quadro:
Fonte: Edelman Trust Barometer 2020
Um longo caminho a percorrer para um Brasil engajada em causas sociais
Apesar da melhora nos últimos anos, ainda estamos distantes de enraizar a cultura da doação no coração dos brasileiros, fazendo com que a participação da sociedade nas causas sociais seja mais intensa e engajada.
A mudança deste quadro depende tanto do desenvolvimento do senso de cidadania nas pessoas, quanto da profissionalização das ONGs do Brasil. No caso das organizações, diversas iniciativas surgiram nos últimos anos com o objetivo de legitimar o processo de doação.
Um deles é o Instituto Doar, por exemplo. A instituição concede o Selo Doar para ONGs brasileiras como forma de comprovar o seu padrão de gestão e transparência. Isso contribui para a profissionalização do terceiro setor e oferece mais credibilidade ao doador.
Além do instituto, a Ambev também apoia o desenvolvimento e a profissionalização de organizações do país, por meio do Programa VOA. A iniciativa oferece mentorias gratuitas sobre gestão de recursos e processos, ajudando na implementação de procedimentos para área de finanças, comunicação, marketing, governança e captação de recursos.
Profissionalização das ONGs fomenta a cultura da doação
A captação de recursos é, basicamente, o combustível para qualquer ONG. Portanto, uma gestão qualificada nesta área é essencial para estimular a cultura da doação entre os brasileiros. Em entrevista ao Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), o diretor executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), João Paulo Vergueiro, ressalta que o brasileiro é solidário, mas doa para quem pede.
Portanto, se a instituição não tem uma área de captação de recursos estruturada, dificilmente receberá o apoio necessário para um crescimento sustentável.
“Se temos uma falta da cultura da doação é porque também temos uma falta de cultura para pedir doação. As organizações da sociedade civil não contam com uma área estruturada de captação de recursos”, reforça Vergueiro, na entrevista ao GIFE.
Com as ONGs no caminho da profissionalização ficará cada vez mais tangível que a cultura da doação se consolide no Brasil. Isso também incentivará as pessoas a se enxergarem como protagonistas da transformação social e a procurarem se engajar em causas que construam o mundo melhor que elas acreditam.
Obrigada por nos acompanhar! Conheça mais sobre a OMUNGA, clicando aqui.
Até a próxima,
Redação OMUNGA